O problema que ora apresentamos para reflexão e debate consiste na definição do modo de efetivação de sentença proferida em mandado de segurança, em matéria tributária, transitada em julgado, que assegura ao contribuinte-impetrante o direito à compensação de tributos pagos indevidamente, de acordo com o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015).

A discussão justifica-se, pois, o CPC/2015 passou a disciplinar a matéria de modo distinto do CPC revogado (CPC/1973), no que tange às decisões proferidas contra a Fazenda Pública, suscitando controvérsia na sua aplicação por parte dos juízes.

O CPC/1973 tratava da questão em seu artigo 730, o qual previa que “na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias…”. Tal dispositivo estava inserido no Livro II – Do Processo de Execução, Título II – Das Diversas Espécies de Execução, Capítulo IV – Da execução por quantia certa contra devedor solvente, Seção III – Da Execução contra a Fazenda Pública.

A aplicação prática do mencionado artigo 730 do CPC/1973 suscitou controvérsia quanto à execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, posto que tal dispositivo não mencionava a natureza do título que poderia embasar tal execução. A questão veio a ser definida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme verbete da Súmula STJ 279: “É cabível execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública”.

O CPC/2015, de sua vez, trata de modo distinto a satisfação da tutela jurisdicional proferida em desfavor da Fazenda Pública, conforme o respectivo título seja de natureza judicial (artigos 534 e 535) ou extrajudicial (artigo 910).

Os artigos 534 e 535 do CPC/2015 tratam do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, portanto, com origem em título judicial. Esses dispositivos estão dispostos no Capítulo V – Do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, do Título II – Do Cumprimento de Sentença, do Livro I – Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença, do CPC/2015.

O artigo 910 do CPC/2015 trata da execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, estando inserido no Capítulo V – Da Execução contra a Fazenda Pública, do Título II – Das Diversas Espécies de Execução, do Livro II – Do Processo de Execução, do CPC/2015.

Assim, quando se tratar de título judicial, ou seja, sentença transitada em julgado proferida contra a Fazenda Pública, a satisfação do direito tutelado que nela se contém se dará pela sistemática dos artigos 534 e 535 do CPC/2015, o que evidentemente, deve ocorrer nos próprios autos do processo no qual proferida a sentença.

O cumprimento de sentença, nas hipóteses dos artigos 534 e 535 do CPC/2015, deverá, portanto, ter por base um título judicial líquido, ou seja, de quantia certa.

Tanto por isso, é que “quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença”, conforme prevê o parágrafo 2º., do artigo 509, do CPC/2015.

A apuração do indébito tributário é tarefa relativamente simples, via de regra, bastando que sejam relacionados os pagamentos efetivamente realizados pelo contribuinte, individualmente, por data de pagamento e valor, e sobre os mesmos se apliquem os critérios de atualização que houverem sido estabelecidos na sentença (e demais decisões que a ela porventura se integrem, como as decisões em embargos de declaração, monocráticas ou colegiadas dos Tribunais).

Assim, a sistemática de apuração do indébito torna evidente a desnecessidade de liquidação de sentença, pois, por meio de mero cálculo aritmético é possível obter a quantia certa devida pela Fazenda Pública.

Assumimos como premissa, que tanto o requerimento de cumprimento de sentença em que se apresenta o demonstrativo analítico de cálculo aritmético, como em potencial impugnação apresentada pela Fazenda Pública, que não haja divergência descabida na interpretação do conteúdo e do alcance da sentença transitada em julgado, ou seja, que tanto não haja abuso no cálculo como alegações infundadas que se destinem apenas a procrastinar a satisfação do direito assegurado na sentença transitada em julgado.

Devemos partir, também, da premissa de que participantes do processo ajam com boa-fé e, principalmente, cooperem entre si para que se obtenha, em tempo razoável, a efetivação da decisão, conforme preconizam os artigos 5º e 6, do CPC/2015.

Até aqui parece estar claro que, à luz da nova sistemática processual civil em vigor, o modo de satisfação do direito reconhecido em sentença transitada em julgado que reconhece o indébito tributário do contribuinte deve ocorrer pelo procedimento previsto nos citados artigos 534 e 535 do CPC/2015, nos próprios autos em que proferida a sentença.

O cumprimento de sentença nos próprios autos está claramente previsto em disposição geral contida no artigo 513 do CPC/2015, não havendo qualquer distinção quanto à natureza da ação mas sim, quanto à condição do devedor, no caso, a Fazenda Pública, levando-se em conta, obviamente, o teor da decisão transitada em julgado e a natureza do título executivo (judicial).

Tal conclusão se aplica, ao nosso ver, com relação à sentença proferida em mandado de segurança, pois, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, cristalizado nas Súmulas STJ 461 e 213, cuja aplicação vem sendo observada pelas Primeira e Segunda Turmas daquele Tribunal (AgRg no REsp 1466607/RS e AgRg no REsp 1176713/GO), a sentença proferida em mandado de segurança em matéria tributária é título judicial que contém cunho declaratório do direito à compensação tributária (que pressupõe, ou no qual está implícito, o reconhecimento de que os pagamentos feitos pelo contribuinte são indevidos) e que a satisfação desse direito declarado pode ser feita à sua escolha, tanto pela forma de restituição como mediante compensação.

De fato, se a sentença proferida em mandado de segurança considera procedente a tese jurídica deduzida pelo contribuinte na petição inicial consistente na ilegalidade ou inconstitucionalidade da exação tributária por ele adimplida, de modo a permitir a compensação de tal indébito com outros tributos administrados pelo mesmo órgão arrecadador, sem sofrer sanções, é possível deduzir, à luz do entendimento consolidado do STJ  antes mencionado, que tal sentença possui cunho declaratório e que é uma faculdade do contribuinte optar pelo modo de sua satisfação, seja por compensação como por restituição.

É claro que ao optar por satisfazer seu direito por meio da restituição o contribuinte-impetrante deverá sujeitar-se à ordem cronológica dos precatórios, nos termos do que dispõe o artigo 100 da Constituição Federal.

Mas a questão que aqui se coloca é o caminho a ser percorrido até que seja feita a requisição de pagamento por meio de precatório, que em nossa interpretação deve ser por meio de apresentação, nos próprios autos, de requerimento de cumprimento de sentença nos termos dos artigos 534 e 535 do CPC/2015, na hipótese de o contribuinte que impetrou o mandado de segurança assim desejar.

O fato de a sentença proferida em mandado de segurança mencionar ou assegurar o direito à compensação não impede o contribuinte de optar pela restituição, desde que respeitado o procedimento previsto nos artigos 534 e 535 do CPC/2015.

Forçar o contribuinte a optar pela compensação, o sujeitaria a outro caminho, às vezes até mais tortuoso, de requerer administrativamente a habilitação de crédito fundado em sentença transitada em julgado para então, após o deferimento desse requerimento, efetuar as compensações até o exaurimento de seu crédito, conforme disciplina a Lei nº 9.430/96.

Nem sempre a compensação como forma de satisfação do direito assegurado ao contribuinte por sentença é a forma mais adequada e vantajosa considerando a realidade da entidade ou empresa, pois, como se sabe, o procedimento de compensação, após a necessária habilitação do crédito, é trabalhoso, pois requer mão-de-obra especializada, que está sujeita a erros no processamento das declarações de compensação e que pode levar anos para o consumo total do crédito.

Por outro lado, cabe mencionar a inexistência de previsão em norma administrativa da Receita Federal do Brasil (RFB) que permita ao contribuinte que obteve sentença transitada em julgado apresentar requerimento administrativo de restituição, porque tal pedido é reputado incabível, conforme entendimento manifestado na Solução de Consulta COSIT nº 382, de 26 de dezembro de 2014, de que tal pedido conflita com a norma contida no art. 100 da Constituição Federal (pagamento na ordem cronológica de precatórios).

Ora, se ao contribuinte-impetrante é vedado pedir administrativamente a restituição e se o juiz não defere o requerimento de cumprimento de sentença apresentado nos autos do mandado de segurança no qual foi proferida a sentença transitada e julgado, qual seria, então, o caminho adequado para a satisfação de seu direito?

Nos parece que não poderia ser a propositura de ação autônoma de execução, pois a única possibilidade prevista no CPC/2015, salvo melhor juízo, é a do artigo 910, que trata da hipótese de execução fundada em título extrajudicial.

Pelos motivos expostos, a nossa conclusão é que não há justificativa plausível para que se discrimine a sentença transitada em julgado em mandado de segurança, na hipótese ora descrita e analisada, para justificar indeferimento de requerimento de cumprimento de sentença apresentado pelo contribuinte-impetrante nos próprios autos.

Alex Gozzi, em 16/09/2016.